terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Desabafo

Momento desabafo: ter banda com trabalho autoral no Rio de Janeiro é cada vez mais complicado e desanimador. Não é à toa que fazer shows, pra mim, tem sido cada vez mais raro.

O público de rock definitivamente EXISTE e é numeroso. Mesmo num segmento mais "restrito" como o rock progressivo. Mês passado, por exemplo, rolou evento de prog no CCBB com vários dias de shows totalmente lotados (600 pessoas) e ainda teve muita gente que tentou comprar ingresso e ficou de fora.

Mas hoje em dia, pra começar, as pessoas acham que apoiar um artista é clicar em "curtir" no Facebook e ver videozinho no Youtube. Essa "geração download grátis" não quer pagar por nada. Não compra álbum, acha show caro, não comparece. Tem gente que tem a cara de pau de reclamar do preço de um show com bandas de excelente nível (sem falsa modéstia) que não custa duas cervejas. Querem saber a verdade? Absurdo é querer pagar 10-20 reais e querer ver um bom espetáculo!! Temos que valorizar os artistas de qualidade.

Os que vão em shows, em geral, priorizam artistas já consagrados (por mais "capengas" que estejam) e bandas cover, que simplesmente executam clássicos. Nada contra as bandas cover, acho um trabalho muito legal, mas não devemos priorizar esse tipo de coisa deixando de lado quem faz um som original. É uma inversão de valores. Curioso é que muitos fazem isso e depois reclamam que "não se faz música boa como antes". Discordo completamente. São vocês que não abrem os olhos nem valorizam quem merece.

Neste fim de semana produzi um evento em que minha banda participou. Mais de 120 confirmados no Facebook (além de mais de 100 no "talvez"). Nem metade dos confirmados apareceu. Quem foi, viu um evento legal pra cacete (e pra vocês meu muito obrigado)!! As bandas foram ótimas no palco.

Mas esperávamos mais do público. Evitamos tudo que geralmente gera críticas: casa extremamente confortável (espaçosa, ar condicionado, etc.), lugar acessível, bom horário (sábado à noite), local com equipamento de qualidade (iluminação e som). Enfim, tudo do melhor possível dentro do cenário independente. E mesmo assim não houve o retorno que imaginávamos. Como músico, fiquei mais do que satisfeito. A galera que compareceu gostou muito. Como produtor, confesso que rolou uma decepção.

Pra deixar claro, não exijo que ninguém vá no meu show só por ser meu amigo. Tenho muitos amigos que não gostam de rock progressivo e acho natural que não queiram ir. Também dificilmente vou em show de amigo se não curto o som. Nem reclamo de quem vai ocasionalmente. O problema é quem diz que curte, diz que quer ir, e nunca comparece. Que só elogia virtualmente e não vai lá prestigiar na vida real. Que confirma presença e na hora some.

A crítica vale igualmente (se não mais ainda) pra quem tem banda com trabalho autoral. Vistamos a carapuça porque antes de sermos músicos, somos também PÚBLICO, cacete!!! E o que vejo de gente aí que divulga sua própria banda, fica querendo tocar em tudo que é canto, mas não se digna a aparecer em shows de outras boas bandas, puts... é vergonhoso. Se todos comparecessem mais, todo mundo sairia ganhando. Teríamos mais eventos, com maior público, e mais oportunidade de tocarmos ao vivo.

No fim das contas você passa anos estudando música, ensaiando semanalmente com sua banda, fazendo composições, arranjos, dando o sangue num trabalho, gasta uma grana com equipamento, e quando investe pra fazer um puta evento legal, com todo o conforto possível pros consumidores, um bando de gente fica de corpo mole. E depois algumas dessas mesmas pessoas te encontram e perguntam: "e aí, quando tem show da sua banda?". Ahpaporra.

É isso, desculpem pelo desabafo aqui. Mas acho que vale a reflexão pra todo mundo que gosta de rock (seja qualquer segmento dele) e pra quem tem seu próprio trabalho nesse ramo.

Parem de achar que só existem os clássicos e abram os olhos, porque tem muita gente "desconhecida" fazendo um som muito melhor do que vários nomes consagrados por aí.

Enfim... VALORIZEM O TRABALHO AUTORAL DE QUALIDADE, PORRA.

E. Marcolino

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A obra não é o artista

Simples assim. A obra é a obra. O artista é o artista. E ponto final.

O escândalo da vez é o suposto caso de pedofilia de Woody Allen. Não vou entrar no mérito da questão. Mas já vi coisas escritas sobre boicote aos filmes dele. Boicote??? O que isso vai mudar?? É algum tipo de justiça a quem sofreu abuso??

Que cada um seja devidamente julgado e condenado por seus atos, se for o caso. Mas ninguém tem que deixar de gostar do trabalho de um artista por causa de um desvio do seu caráter (ou de posição política, ou qualquer outro aspecto de sua vida pessoal). E isso vale pra qualquer ramo da arte. Michael Jackson também não deixou de ser um gênio do pop por causa de acusações de pedofilia, por exemplo.

Querer fazer um boicote levanta a idéia absurda de que pra consumir e apreciar qualquer obra devemos antes checar o caráter dos seus autores, levantando ficha criminal e o que for possível. Bizarro.

Fiquem indignados, xinguem à vontade quem quiserem xingar. Mas não digam que um filme é ruim porque o cineasta é pedófilo, que uma música não presta porque o compositor é drogado, que um livro é ruim porque o escritor é racista, etc.

Se a obra é boa, ela é boa. E pode ser admirada sem peso na consciência.

E. Marcolino