terça-feira, 3 de setembro de 2013

A internet e o paradoxo do "tudo é grátis"

Tenho 26 anos e uso a internet desde os 13. Minha geração praticamente não comprou CDs. Eu que andei na contramão. Quando fiquei velho o suficiente para gastar meu próprio dinheiro com CDs e DVDs, já estávamos na época dos downloads de álbuns em blogs e programas P2P com milhões de pessoas compartilhando mp3s. Vi a briga do Metallica com o Napster (que bizarramente deixou a banda com uma imagem ruim, quando ela só estava tentando proteger seu próprio trabalho) e hoje em dia quem é da minha idade ou mais novo chega a me olhar estranho quando falo que comprei algum CD. Mas não tem jeito, gosto de ter o troço completo: o disco, a capa, o encarte. Nunca foi por uma questão ideológica, e sim porque eu gostava mesmo. Mas a cada vez que penso sobre esse assunto, mais me torno radical a respeito dele. Se antes eu até apoiava os downloads e criticava quem era contra o compartilhamento da música, hoje defendo a idéia de que todos temos que pagar sempre, mesmo sabendo que essa minha posição é bem alternativa atualmente. E há algum tempo cheguei numa triste constatação: as pessoas estão MUITO mal acostumadas! E não querem mais pagar pelo trabalho dos outros, caso eles estejam disponíveis (mesmo que ilegalmente) na internet. Isso é um fato.

Enfim, estou falando de música porque é a área que mais me interessa. Mas esse papo vai muito além: vale pra filmes, livros, jogos, softwares... tudo que é "baixável" na rede. O ponto em que quero chegar é o seguinte: as pessoas estão tão acostumadas com o fato de ter tudo "grátis" na internet, que elas já acham que adquirir qualquer coisa dessas sem ter que desembolsar o devido valor é um direito delas.

Estar na internet pra download não significa que seja legal. Baixar um disco que está à venda nas lojas é errado. Baixar um filme que está no cinema ou na locadora também. O que dizer de baixar um software e usar um programa "keygen" pra gerar um serial falso e ter todas suas funções disponíveis sem pagar nada por ele?

Todos esses exemplos que dei são trabalhos que foram realizados por pessoas, assim como nós, e que merecem receber pelo que fizeram. "Ah, mas o software X é feito por uma grande empresa". Sim, e essa grande empresa precisa lucrar para manter em dia os salários de tantas pessoas que vivem disso. Só um exemplo...

Esta situação está tão alarmante que mesmo quem tem condição de sobra para pagar pelas coisas acaba preferindo ir pros meios ilegais na internet. Há pouco tempo aconteceu um fato curioso: a estrela pop Justin Bieber (que, convenhamos, deve ter alguns milhões de dólares sobrando) perguntou no Twitter se alguém teria o link do vídeo do nocaute que havia acabado de acontecer no UFC. O dono do UFC, Dana White, deu uma linda resposta pelo seu perfil: "PPV, Justin" (ou seja, "compre o pay-per-view").

Não vou ser hipócrita e dizer que não baixo nada ilegal. Mas tenho evitado bastante. Já faz meses que não baixo nenhum álbum completo e tenho tentado ao máximo utilizar programas gratuitos. Nunca usei torrent e nunca pretendo usar. E acredito que precisamos fazer uma grande auto-crítica sobre esse situação e ver o quanto essa coisa de ter tudo livre na internet pode ser prejudicial pra todos.

Na internet, as pessoas reclamam demais. E é aí que está o paradoxo! Vejo todo dia pessoas (principalmente artistas) nas redes sociais dizendo que não são valorizadas profissionalmente. É aquele papo de "ninguém dá valor ao músico/designer/fotógrafo, mimimimimi". E aí o cara é fotógrafo, diz que ninguém quer pagar o "valor justo" pelo seu serviço, mas usa o Photoshop que comprou no camelô pra trabalhar. Ou então é designer, reclama que copiaram um trabalho dele sem creditar, mas ele nem pára pra pensar que fez este mesmo trabalho no Corel baixado no seu computador com Windows pirata. E o músico profissional que diz "ninguém me paga direito" tem várias discografias completas no seu HD sem nunca ter desembolsado um centavo por elas... Tudo muito incoerente. Pensem friamente: isso é muito estranho ou não é???

Vejo todo dia comentários do tipo "a música hoje em dia está um lixo", "só tem merda na mídia". Mas vejam bem: quem vende CDs e DVDs, quem rende, é a Anitta, é o Naldo, são os artistas gospel, etc. Não adianta reclamar que o nível está baixo se você não paga pelo que você curte.

Não conheço ninguém (sem exagero, ninguém!!!) que use exclusivamente produtos ou serviços originais hoje em dia. A pessoa pode até não baixar filmes e discos, mas com certeza usa um Microsoft Office pirata ou algo assim. Isso é preocupante.

E por incrível que pareça ainda surgem argumentos bizarros para defender a "liberdade" das pessoas terem acesso a tudo. Então, vou tentar dar uma resposta a alguns deles.

"O CD/livro/software é muito caro" - Bom, como QUALQUER produto ou serviço, você tem o direito de comprar ou não. Se achar que o benefício não compensa, não compre. Simples assim. Não é porque eu acho um carro caro que isso me dá o direito de ir na concessionária e pegar um deles sem pagar! E mais: várias coisas hoje são caras porque a maioria das pessoas não paga por elas. Com certeza os preços seriam menores se todos pagássemos.

"O artista não pode viver de venda de discos, tem que viver de show" - Quem é você pra dizer como alguém tem que lucrar? Você está numa posição superior? Cada um tem o direito de vender o seu serviço como bem entender. Imagine você terminando um longo projeto na sua empresa e seu chefe te diz "não vou pagar seu salário esse mês, você tem que receber fazendo outro tipo de serviço porque esse aí a gente usa de graça". É a mesma coisa.

"Hoje em dia, o artista tem que divulgar na internet" - Fato. Mas existe uma diferença entre divulgação online e compartilhar o trabalho de alguém sem autorização. Se uma banda resolve disponibilizar um disco completo para download, beleza! Aí faz parte da estratégia de cada um e não há nada de errado em baixá-lo. Mas quem prefere vender, ou disponibilizar apenas uma parte do trabalho, tem que ser respeitado.

"CD é uma mídia ultrapassada, ouço tudo no meu ipod/mp3 player/entrada USB" - Beleza. Ninguém é obrigado a gostar do CD como produto físico. Mas a música continua tendo um preço. Não quer o CD? Compre o álbum que você quer no iTunes, na Amazon, etc. Pague pelo download, pela mp3 legalizada. Só assim você colabora com o artista que você gosta.

"Não gosto de carregar livros comigo" - Mesma coisa que o CD. Compre um Kindle, um tablet, qualquer coisa dessas, e pague pela obra.

"Quem ganha dinheiro com venda de disco não é o artista, é a gravadora" - Primeiramente, hoje em dia isso não é verdade, pois grande parte dos artistas (mesmo alguns muito famosos) lançam seus trabalhos de forma independente. Dessa forma, eles ganham sim com a venda da música. E nos casos em que a gravadora ganha mais do que o artista, provavelmente foi ela que bancou a gravação, a mixagem, a produção de alta qualidade, enfim, que permitiu que aquele trabalho fosse lançado. Então nada mais justo que a gravadora receba o que tem direito e possa investir em mais coisas. Imagine quantos álbuns clássicos ("Dark Side of The Moon", "Sgt. Pepper's", etc.) não existiriam caso as gravadoras não lucrassem na época? Nem sempre o artista pode se bancar sozinho.

Bom, fica o desabafo de alguém que está "remando contra a maré" e a sugestão de mudarmos nossa visão em relação aos downloads ilegais. Não vivo de música e isso não me influencia diretamente, mas acredito que só teríamos a ganhar se nos acostumássemos a fazer o certo e pagar o preço do que queremos utilizar. Quanto mais normal acharmos pegar tudo de graça, mais raros serão os bons discos, os filmes bem produzidos, os softwares de qualidade, etc.

Infelizmente, não vejo um caminho muito fácil à frente. Espero que exista uma fiscalização maior nesse sentido para tirar do ar o que é ilegal e punir quem libera para milhões de pessoas algo que não é seu.

Se coloquem do outro lado da história. Tentem enxergar por outros pontos de vista.
Think about it!

E. Marcolino

4 comentários:

João Pedro Faro disse...

Marcolino, seu texto mostra que o retorno será maior para os artistas que souberem usar a rede em seu favor e/ou para os que tiverem fãs mais "justos".
Há um contra-argumento. Essa hipocrisia citada pode ser apenas uma resposta à disparidade que existe entre os niqueis do bolso do "ladrão digital" e o lucro de quem está do outro lado da tela. Para os mega softwares e filmes de hollywood é mais notável, já para os artistas a diferença é bem menor. Há controvérsias, não é um tema simples.
Pra mim o ponto alto foi quando vc tocou no paradoxo. Não necessariamente no que existe entre roubar e não querer ser explorado, mas algo pior: pagar por aquilo que não gosta e "roubar" daquele que curte.
Se vê muito filas de espera em restaurantes medianos, que são caros. Gastos exorbitantes em bebidas nas boates, que ao meu ver apresenta o pior serviço que pode existir. Roupas sendo compradas sem o menor apreço pelo produto em si, mas somente o carimbo que ela leva na etiqueta. Vou além, pessoas compram produtos de toda ordem sem pesquisar o mínimo sobre o que querem, e depois reclamam da qualidade ou do não atendimento às suas expectativas. É claro, cara pálida, comprou pela embalagem, agora paga o preço.
Isso é o piloto automático do consumo. Pessoas maximizando o prazer através da aquisição irracional, ou seja, se puder ter sem precisar comprar, melhor.
O único caminho que eu vejo é o auto-controle mesmo. Exatamente isso que vc está buscando ao não baixar o que gosta e pagar a conta. Bom trabalho!

emarcolino disse...

Gostei do comentário, João. É bem por aí. Essa coisa do download desvaloriza e muito certos produtos e serviços.

Complementando o que você falou, hoje é normal o cara pagar 30 reais num simples drink numa boate (porque é o preço "normal") e achar caro dar 20 reais num CD que ele ouvirá dezenas de vezes (porque é "caro", já que tem de graça na net).

Quantas pessoas você conhece que pagou quaisquer 100 reais num software nos últimos anos?? Mas na hora de comprar um par de tênis, algo que não dá pra baixar, aí pode gastar 200 reais brincando...

Por isso que falei, já é algo cultural e muito difícil de mudar. Vários mercados sofreram muito com isso, de forma injusta.

Abração!

Clipes de Séries disse...

Parabens ao autor, muito bom. ainda acho q certos produtos poderiam ser mais baratos. mas isso não me dá o direto de agir ilegalmente. vou até deletar links q postei.

KMDivulgações disse...

Olha cara, acho que não é tão simples sabe. Não estou falando ainda de artistas independentes, me refiro às grandes corporações das mais variadas mídias. Um grande exemplo é a industria de filmes, hoje voce paga uma mensalidade de 20 reais no netflix e assiste à quantos filmes quiser, antigamente voce gastava mais que isso para alugar 2 ou 3 filmes na locadora. A "exploração" e supervalorização de seus produtos sempre existiu por parte das grandes industrias, e hoje se rendem à internet. O mesmo acontece com a industria da música, antes pagava-se 30, 40 até 50 reais em um album, hoje paga-se 1 dolar por música no itunes, e artistas e gravadoras convivem "bem" com esse valor. O preço dos produtos caiu exponencialmente para concorrer com a facilidade de adquirir o mesmo produto de graça. Se hoje com uma mensalidade de 20 ou 30 reais eu posso ver quantos filmes eu quiser, por que há menos de 10 anos gastava-se o mesmo para alugar dois dvds por 1 dia ? No caso das músicas pode-se explicar que o meio físico, cd, encarte custam caro, mas não pode-se negar que o valor cobrado do consumidor hoje é bem menor que o cobrado antigamente, se hoje é possível um produto à esse preço, provavelmente antes também seria se não houvesse a ganancia de artistas e industrias.
Em especial no caso de músicos dos ultimos 10 anos, a grande maioria conseguiu a divulgação do seu trabalho através da internet, bandas brasileiras que surgiram junto com a popularização da internet no brasil, criaram uma cena que transbordava suas músicas de graça na internet para tentar crescer, e hoje que não precisam mais dessa "máquina" à desdenham. Há também o lado do programador que vê como um desafio quebrar a segurança dos grandes softwares. Há a questão ideológica de que todos devem ter acesso à um conteúdo independente da classe social. Não estou justificando e tomando partido na discussão, mas a questão é mais profunda do que querer e poder pagar por um conteúdo ou não...