quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Cada um no seu estilo


O valor de um trabalho artístico é subjetivo. Na música, isso não é diferente, mas as pessoas costumam confundir gosto pessoal com qualidade. É claro que não dá pra separar completamente as duas coisas, naturalmente vou estar mais propenso a enxergar qualidades em trabalhos que me atraem. Mas temos que tentar fazer um mínimo de distinção entre o "gosto/não gosto" e o "bom/ruim" musicalmente.

Existe uma tendência muito forte de qualificar diferentes estilos musicais como inferiores ou superiores. Acho isso muito errado. O legal da música é a existência de estilos completamente diferentes, cada um com suas características. E dentro de cada um deles existem coisas de maior e menor qualidade.

É comum o jazzista achar que o rock é barulhento e sem valor, ou o roqueiro torcer o nariz pra música pop, ou o cara que se acha culto criticar o axé, o sertanejo e outros estilos populares no Brasil, enquanto exalta "medalhões" da MPB. Chato demais.

Não existem estilos melhores ou piores. Dizer isso é como dizer que, no cinema, drama é melhor que comédia ou aventura é melhor que terror, colocando tudo de um estilo num mesmo saco.

Existem, sim, características diferentes. O jazz e a bossa nova são estilos mais rebuscados. O pop costuma ser mais simples e "dançante". O rock engloba coisa demais e pode ter várias faces, desde suave até agressivo. E por aí vai. E cada um tem um objetivo diferente. Uma canção pop, por ter só 3 ou 4 acordes, não tem valor artístico necessariamente menor do que um jazzista improvisando sobre uma harmonia complexa.

Falta tolerância e auto-crítica de um modo geral. Vejo muito roqueiro tacando pedra nas letras do axé enquanto ouve o Kiss cantando "Eu quero rock and roll a noite toda e festa todo dia". Ou esculachando os versos do pagode romântico e achando lindo quando o Bon Jovi canta "Eu vou te amar, baby, para sempre" ("Always"). Galera do rock progressivo diz que tem bandinha ruim que só toca 3 acordes e fica babando o Pink Floyd fazendo 2 acordes durante intermináveis minutos. Não estou criticando os artistas em questão (só citei bandas que eu adoro!), mas mostrando a incoerência dos argumentos.

Claro que muita gente tem um gosto superficial e ouve apenas o que toca nas rádios, na TV e nas festas, menosprezando o resto. Mas isso sempre vai existir. E são pessoas que em geral não fazem muito juízo de qualidade. Por isso surgem coisas bizarras fazendo sucesso, como Restart, Fiuk e outras aberrações empurradas pela mídia. Mas o fato de fazer sucesso ou estar na mídia não significa ser ruim, como muita gente pseudoculta pensa. Mesmo nessa nova safra do sertanejo, no pagode ou no axé, que são amplamente criticados no Brasil, existem muitos artistas talentosos.

Se alguém responde a pergunta "que tipo de música você gosta?" com a frase "eu gosto de música boa", pode apostar que ela não entende muito de música. Chega a ser ridícula essa resposta.

Eu gosto, a grosso modo, de vários gêneros do rock (principalmente blues-rock, progressivo e hard rock), além de várias coisas no blues e no jazz. Gosto de alguns artistas na música pop também. Mas não deixo de reconhecer o valor que existe em muitos nomes da música erudita, do heavy metal, do axé, etc.

Isso não quer dizer que existe beleza em tudo e que, por ser subjetivo, um trabalho musical não pode ser criticado. Pode sim, e deve. Mas isso tem que ser feito sem levar em conta a preferência de estilo. Deixem o roqueiro criticar o rock, o sambista criticar o samba, etc. E cada um fica na sua.

No fim das contas, o importante é a emoção que a música passa.

Fui.
E. Marcolino

6 comentários:

Anônimo disse...

Ahrá!! velho, acho que vc sabe minha opinião sobre isso, mas já que vc escreveu (e eu acho isso uma ótima iniciativa) tb vou escrever. De fato concordo que música não é competição e nem deve ser, competição de melhores e piores. Mas a "intenção" e "propostas" de determinadas músicas e estilos musicais é o que as colocam entre coisas que demandam uma análise e uma atenção mais apurada de quem ouve e outras que são puramente descartáveis. Sim, descartáveis. E o mais curioso de tudo - pensadas para serem descartáveis. É a mesma coisa vc querer comparar um copo descartável com um copo de cristal. O copo descartável pra uma festa informal com um monte de gente, onde não se tem a possibilidade de lavá-los, realmente é bastante funcional e atende o objetivo dos convidados. Mas não tem os atributos que um copo de verdade tem e nem sua perenidade. Então, acho que a gente não pode comparar aquilo que é feito como expressão, como manifestação artística e pessoal com aquilo que é feito unicamente com o valor de entretenimento comercial, independente dos valores ali expressados corresponderem ao que a pessoa realmente sente. Isso é intrínseco. E a grande questão que eu vejo é separar a música feita como arte (o que é diferente de ser obrigatoriamente virtuosa ou rebuscada) do que a música feita como "produto". Eu acho até que existem maneiras das duas tendências até coexistirem. Muitas bandas conseguiram sucesso fazendo isso e em geral, são sucessos muito perenes. Agora não dá pra gente considerar no mesmo patamar esses discos de determinados estilos que são "monotemáticos". Imagina um disco do Zezé de Carmago & Luciano com 12 músicas. 11 delas provavelmente é sobre amor ou relacionamentos e coisas relacionadas. Com toda a certeza o cara que canta e toca não sente um décimo daquilo e/ou nem passou por nenhuma dessas estórias pessoalmente. As músicas não são deles, o arranjo não é deles, os músicos são completamente anônimos contratados e pode mudar 200 vezes o músico que a música vai soar da mesma forma. Isso é um produto, não é música, não tem valor artístico. A partir do momento que é padronizado e despersonalizado eu não considero como arte. Dá pra comparar isso com o Pink Floyd, por exemplo? O Dark Side of the Moon além de ser conceitual tem um cunho quase biográfico do Roger Waters, passa uma mensagem, aliado a um trabalho instrumental simples porém caprichadíssimo em termos de arranjo e recursos técnicos, trabalho gráfico, etc, etc, etc. Dá pra botar isso na balança só na questão do gosto ou do "cada um com o seu estilo"? não, definitivamente não dá. O mesmo eu poderia dizer do sertanejo universitário, o forró eletrônico do nordeste, a música fandangueira jovem do sul, o funk carioca, dentre os estilos da música jovem brasileira. (Continua)

Anônimo disse...

Aí vc pega música que a máquina faz 100% do som (DJ's que se consideram músicos). Dá pra considerar o cara que faz só uma colagem de bases pré-prontas e não sabe nenhuma nota e comparar isso com um disco do Gilberto Gil? Dá pra pintar um quadro sem saber desenhar? se eu pegar um monte de imagens na internet e sair colando eu posso ser considerado pintor? ou então pegar um monte de frases prontas e juntar num livro eu sou escritor? Não é questão de elitizar o gosto ou a estética, mas é dar o devido valor as coisas, as técnicas que permitem com que a pessoa realmente se expresse. Aquilo que é autêntico deve ser separado daquilo que é fabricado para um determinado fim. Fosse assim, automaticamente publicitário seria pintor, jornalista seria escritor, câmera man seria cineasta, operador de áudio seria músico e designer seria artista plástico. Claro que existem características próprias de determinados estilos musicais e elas devem ser respeitadas nos momentos de uma comparação, como vc mencionou no texto, mas a gente tem que separar o joio do trigo. Eu acho muito mais autêntico o Kiss com a letra de rock and roll all night, que é a própria tradução do estilo vida loca de seus membros do que a letra de Dança da Manivela. Aliás música feita só pra dançar tb não dá pra considerar. O texto não vale pra música só pra dançar. E nem pode ser considerada música. Foda-se! hahahaha
Abraço,
Ronaldo

emarcolino disse...

Ronaldo, no seu comentário você basicamente concordou comigo com outras palavras. Só acho que não percebeu. Rs.

Falando de um disco de Zezé di Camargo e Luciano, você escreveu: "As músicas não são deles, o arranjo não é deles, os músicos são completamente anônimos contratados e pode mudar 200 vezes o músico que a música vai soar da mesma forma. Isso é um produto, não é música, não tem valor artístico."

E eu não poderia concordar mais! Mas pode ter certeza que no sertanejo existem também diversos artistas que são ótimos compositores e que, de fato, se expressam através de suas músicas. Dessa nova geração (chamada de "sertanejo universitário") entre tantas tosqueiras se destaca bastante a dupla Victor & Leo. Um deles (não sei qual) toca violão pra cacete, os arranjos são bem feitos e eles compõem as próprias músicas, até onde sei. É só um exemplo. Não faz meu estilo. Mas quem conhece o sertanejo a fundo com certeza sabe de vários artistas muito talentosos desde os primórdios deste gênero.

Fazendo uma comparação com o pop, por exemplo, é lógico que um "artista" como Britney Spears não passa de uma "marionete de produtor", apenas uma imagem pra aparecer (apesar de o som ser muito bem produzido, claro). Por outro lado, Michael Jackson era um verdadeiro gênio da música pop. Hoje em dia temos também a Lady Gaga, que compõe, produz seus discos e shows e toca piano e canta muito bem. Uma artista completa.

Tudo que você disse aí descreve perfeitamente o que falei sobre em cada estilo existirem trabalhos de maior e menor qualidade. Não comparei uma "colagem de DJ" com um disco do Gilberto Gil. Mas DJ não é só o cara que aperta play e faz colagem (que, concordando com você, não são artistas de fato). Também existem grandes talentos na música eletrônica, que usam as "máquinas" a favor da música e criam seus próprios sons. Não sou expert, mas gosto de ouvir várias coisas do Skazi, Infected Mushroom, SUN Project, entre outros.

Generalizar e dizer que nenhum DJ faz música porque só mexe em máquina é desconsiderar de certa forma o trabalho de caras como Vangelis, Jean Michel Jarre, Tangerine Dream e outros que utilizavam as "máquinas modernas" da época, com sons totalmente sintetizados.

Abraços e valeu por participar!

Anônimo disse...

Bicho, de fato concordei com algumas coisas mas discordei de outras. Algumas generalizações foram forçadas, reconheço, mas foram pra dar enfâse aos argumentos. Mas vamo lá:
"Mesmo nessa nova safra do sertanejo, no pagode ou no axé, que são amplamente criticados no Brasil, existem muitos artistas talentosos." Acho que pode até existir "músicos" talentosos, o que é diferente de artista, como expus meus argumentos no comentário. Artista é quem se expressa; quem simplesmente opera um instrumento musical não é necessariamente artista e muitas vezes não é. Tem estilos que fazem tantas concessões para serem populares que não dá pra gente considerar como arte ou coisa de artista. Nesse ponto acho que seu texto não tocou. Fazem tantas concessões que não tem mais autenticidade nenhuma, não comunicam nada que seja verdadeiro. Apenas o que público ou a mídia quer que seja comprado/vendido.
"Mas isso tem que ser feito sem levar em conta a preferência de estilo."
Existem estilos onde normalmente o músico tem condição de se expressar e de ser ele mesmo com muita naturalidade; em outros não. Aí realmente não entra uma questão de preferência, mas sim uma questão de sacar o que é de verdade e o que é comércio. Não acho que seja possível vc fazer comparações totalmente imparciais. Estilos são justamente construídos em cima de visões de mundo e reforçando determinados tipos de situações - relaxamento, excitação, concentração, distração, alegria, tristeza, intensidade, suavidade, etc. Se a pessoa que ouve em geral tem uma personalidade mais extrema (é muito calma, ou muito agitada, etc) ela não vai conseguir identificar coisas que a agradem no outro estilo. Não adianta a gente achar que isso não vai acontecer ou que é um comportamento errado. É natural isso. E o valor de um estilo muitas vezes está nisso - em conseguir expressar as sensações através da música e de suas ferramentas. Tem estilos que são ecléticos e amplos, outros não são. Nesse ponto concordo com o título do seu texto, mas discordo da direção que ele tomou. Acho que a gente pode comparar a musicalidade de diferentes estilos, mas misturar no mesmo balaio a música comercial com a música de expressão (que também pode ser comercial) eu acho errado. Pode ser radicalismo da minha parte mas sim, eu desprezo a música e estilos que sejam eminentemente comerciais. Se é autêntico e fez sucesso, blz. Agora, coisas arquitetadas para o sucesso e para o mercado eu não considero, especialmente as que fazem isso com uma musicalidade pífia. Não sei se a gente pode chamar o Michael Jackson de gênio. Ele sempre deu pras pessoas exatamente o que elas queriam - músicas curtas, com refrões fáceis e cativantes, letras muito simples. Ele inovou? Sim, sem dúvidas. E fez coisas de uma qualidade inegável, tecnicamente falando. Mas nunca avançou para um território além do que ele conseguia considerar como um porto seguro. A preocupação em vender acho que sempre foi maior do que a preocupação de ser ele mesmo. Tanto é que ele pessoalmente se anulou e se descaracterizou por causa da fama. Tanto é que ele seguiu as tendências que haviam na época. Do soul do Jackson 5 fez um álbum "disco" no auge desse estilo e depois partiu para as batidas eletrônicas nos anos 80, exatamente como todo mundo estava fazendo na música pop. E ele não foi o pioneiro em nada disso, apesar de ter conseguido superar seus pares. Na época do auge da Mariah Carey e outras cantoras mela-cuecas ele tb lançou baladinhas no mesmo estilo. Pense nisso...um cara que tem o Quincy Jones do lado não precisa ser realmente um gênio pra dar certo. (Já tô imaginando sua expressão cheia de vontade de me dar um soco hahahaha) Abraço!! Ronaldo

emarcolino disse...

Cara, falar do Michael Jackson como "músicas curtas, com refrões fáceis e cativantes, letras muito simples" e da música dita "comercial" em geral, a meu ver, é meio superficial e também um preconceito sim com este tipo de música. Não é porque é comercial e feito pro mercado que passa a ser ruim. Se for assim, na verdade quase todo artista que viveu de venda de discos e shows pode ser enquadrado nisso, até mesmo o Pink Floyd com o "The Wall" que você citou. E só sobrariam os amadores sem retorno financeiro como arte "pura".
Não é porque algo é comercial, com refrão simples, ou feito pra vender, que passa a ser ruim...

Se for traçar um paralelo, então, só existem filmes ruins praticamente, exceto os filmes "lado B" que quase ninguém conhece. Porque tudo é feito, em certa parte, "pra vender".

Abs!

Anônimo disse...

Meu chapa, peço desculpas se a minha posição soou ofensiva. Tenho sim um incômodo com a música e também com o cinema que se tornaram indústria, e hoje são muito mais entretenimento do que arte. Diferentemente de outras formas de artes, como a pintura, a poesia e as artes plásticas, que mesmo podendo ser comercializadas não se tornaram mercadoria de larga difusão na mesma medida que as duas acima. E essa medida é que dá o tom de como (e para quê) essas produções são feitas. O efeito colateral disso? muitas vezes, se tornam coisas elitizadas e distantes das pessoas. Sei que no geral, meu comentário revela uma visão muito particular e pessoal, que não quero impor como verdade. De fato, ser comercial não significa que é ruim. Mas eu não comparo aquilo que é feito com essa finalidade exclusiva do que aquilo feito como expressão. Discordo do seu comentário - Porque tudo é feito, em certa parte, "pra vender".
Abraço!
Ronaldo